quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Revista Perfil Náutico

Já está nas bancas a edição no. 19 da revista Perfil Náutico, onde estou estreando como colaborador.

No artigo deste mês, faço uma breve exposição das características desejáveis em um bom comandante, e de como aqueles que as desenvolvem acabam por tornarem-se bem sucedidos na vida como um todo.








O BOM COMANDANTE
E AS LIÇÕES DE VIDA QUE UM BARCO PODE PROPICIAR

Por Capitão Pedro Costa

O meio náutico sempre nos brinda com algumas dicas, por vezes simples, mas que quando aplicadas ao cotidiano, revelam-se valiosas lições, capazes de nos despertar para a possibilidade de uma vida muito mais plena.

No espaço restrito de um barco, o convívio entre pessoas torna-se delicado. Problemas podem surgir como em qualquer lugar, mas a forma de encará-los muda completamente. Em caso de desentendimento não há para onde fugir da questão, é preciso encarar e resolver ali mesmo. Como em um barco não há espaço para se acumular nada além do estritamente necessário, essa atitude de desapego acaba influenciando nosso comportamento e a vida torna-se muito mais leve, livre de tolices e mal-entendidos.
O homem é um ser essencialmente político e social. Suas carências distribuem-se em quatro grupos básicos: ter segurança, amar e ser amado, sentir-se importante, e experimentar variedade. O bom comandante sabe que destes grupos apenas o segundo está fora de seu controle (geralmente), e cuidará para que jamais seus liderados sintam-se em risco, dispensáveis ou entediados. Esta lição, uma vez absorvida e colocada em prática, fará do comandante um líder efetivo em qualquer situação, seja no mar ou em terra.
Prever os imprevistos, checar tudo, conhecer o barco e as pessoas a bordo é imprescindível. Recomenda-se que, antes de zarpar, seja feito um “briefing”, mostrando aos que irão embarcar cada parte do barco, os equipamentos de salvatagem e seu funcionamento, bem como os procedimentos em caso de emergência. O bom comandante carrega consigo alguns princípios de conduta; conhece a sabedoria popular; sabe que “quem vai ao mar avia-se em terra” e que “o mar não admite impostores”. A humildade é sua principal característica; tem plena noção de que “nunca foi ele que conseguiu chegar, mas sim o mar que o deixou passar”.
A linguagem náutica é outro importante recurso, muito útil na integração da tripulação, principalmente quando inclui crianças. Ensinar aos novatos o jargão náutico envolve-os ainda mais na magia inspirada pelo mar. Delegar tarefas os fará sentirem-se úteis e perceberem que no barco, como na vida, tudo está interligado e todos são interdependentes. O bom comandante sabe ser anfitrião, cortês e acessível sem mostrar-se permissivo; exerce a autoridade sem autoritarismo. Respeita os limites do barco, sabe que nem sempre cabe mais um. Organizado, mantém cada coisa em seu lugar. Consciente de que em navegação a hierarquia é fundamental, não convidará alguém sobre quem não tenha voz de comando. Ele prevê a alimentação e sabe também que é preciso atenção extra com pessoas mais sensíveis; limita as bagagens quando necessário; esclarece as regras antes de zarpar e, diga-se de passagem, demonstra inteligência ao programar antecipadamente a limpeza final do barco, após o passeio. Mantém a farmácia de bordo abastecida com remédio contra enjôo, xilocaína, hipoglós, pinça e, se possível, gelo. E bem a propósito, nunca é demais lembrar aquela conhecida crônica do Pedro Bial: “Use filtro solar”.
E por falar em frases feitas, “se beber não dirija”, vale também para barcos. Apesar de parecer impossível desvincular aquele passeio de barco no domingo ensolarado da tradicional cervejinha gelada, nunca é demais lembrar que aqui, como em qualquer ocasião, vale o bom senso. Se bebeu, passe o comando para outro. Barcos não têm freios, e no mar, a pista está sempre molhada.
Finalmente, o bom comandante não aceita rótulos nem participa de rixas como a propalada “velejadores X lancheiros”. Sabe que, seja qual for sua origem, o bom navegante ama e respeita o mar, conhece e pratica o seu código de ética.(ver box)
Esse paralelo entre pré-requisitos de um bom comandante e traços de personalidade que levam ao sucesso já é quase domínio público. Pessoas do meio náutico que alcançaram notoriedade, como Amyr Klink ou a Família Schürmann, são muito requisitados para palestras que abordem planejamento, estabelecimento de metas e gerenciamento de riscos; ou para eventos empresariais que visem aprimorar o desempenho e a integração de seus líderes. Existe até um filme institucional, com belas imagens produzidas a partir de uma regata de veleiros, onde se vê passo a passo o caminho rumo à vitória. O roteiro inclui fazer a escolha, começar construindo parceiros, envolver-se, amar o que se faz, colaborar, preparar-se, acreditar, liderar, trabalhar em equipe, fazer a sua parte, trabalhar com foco no resultado, escutar, orientar, confiar, ajudar, vencer as adversidades, inovar, ser competitivo, jamais desistir, em qualquer que seja o cenário contar sempre com o time e com a força da equipe, abusar da garra, da competência, do entusiasmo e da sinergia, ter fé, paixão, conquistar, vibrar, sonhar, acreditar e ir. E por fim arremata: “Vencer é divertido”.


BOX:

Código de Ética.
O Bom Comandante:


Não faz marolas onde há barcos ancorados.
Auxilia quem está atracando.
Dá informações pelo rádio, mesmo não conhecendo o interlocutor.
Quando atracado à contra bordo, seu convés passa a ser o caminho do vizinho.
Dá sempre boas vindas a quem sobe a bordo.
Quando com o caíque, e próximo a outro barco, oferece carona até a praia.
Jamais polui a água.
Quando informa sobre um lugar conhecido, nunca esquece de indicar fontes de água doce e locais seguros para fundeio.
Saúda sempre os ocupantes dos outros barcos.
Ao socorrer alguém, ajuda também a rebocá-lo para local seguro.

Nota publicada na página "Gente do Mar", da revista Náutica Sul 247 - março de 2009.